Jornada estendida, incertezas amplificadas
Há cinco anos, Maria Silvia Bortolozzo foi designada para a equipe encarregada de implantar o Ensino Integral na rede estadual paulista. A professora, dona de um currículo extenso, colaborou, durante aproximadamente meio ano, com a modelagem do Programa de Ensino Integral (PEI), presenciou a aprovação de duas leis e ajudou a colocar o programa em prática. E não deixou mais a equipe desde então.
“O balão de ensaio deu certo e hoje é um programa da rede”, conta Maria Silvia, coordenadora do PEI há menos de um ano. Aplicado em 2012 em dezesseis escolas piloto, todas de ensino médio, o Novo Modelo de Ensino Integral agora conta com 297 escolas e atende mais de 91 mil estudantes, tanto do ensino médio quanto do fundamental, segundo dados da Secretaria Estadual de Educação.
A novidade não está no ensino integral por si só, mas nas diretrizes defendidas pelo programa. Desde 2006, diversas escolas do estado têm oferecido jornada estendida, através do projeto Escola de Tempo Integral (ETI), cujas exigências são mais simples. O Estado de São Paulo chegou a ter mais de quinhentas ETIs, mas, por razões variadas, esse número é consideravelmente menor atualmente.
“Uma série de motivos contribuiu para essa redução. Muitas escolas se municipalizaram, outras precisaram compartilhar espaço, porque não havia unidades onde se pudesse criar o ensino médio em horário regular. Como a ETI tem aula o dia todo, os diferentes níveis não eram conciliáveis”, analisa Vera Lúcia Goloni, coordenadora do projeto.
Segundo ela, a partir de 2013, quando o PEI passou a ser implantado no ensino fundamental II – ou seja, do 6º ao 9º ano –, as melhores ETIs migraram para o novo método, levando a uma queda ainda maior no número dessas escolas. Hoje, cerca de 230 unidades de ensino fundamental mantém o modelo antigo.
As diferenças estão, principalmente, na matriz curricular e no tempo de dedicação exigido para os profissionais. Apesar da maior complexidade do PEI, Vera Lúcia reconhece a necessidade de manter as duas formas de ensino, “para atender todo tipo de necessidade local” e para que professores não precisem abrir mão de cargos na prefeitura. A especialista defende isso porque uma das principais diretrizes do PEI é o Regime de Dedicação Plena e Integral (RDPI), garantido pela Lei Complementar nº 1.164, de janeiro de 2012, e pela Lei nº 1.191, de dezembro do mesmo ano.
O RDPI veda “o desempenho de qualquer outra atividade remunerada, pública ou privada, durante o horário de funcionamento da escola”, isto é, exige que os professores do Programa abdiquem de dar aula em mais de uma escola ao mesmo tempo, uma prática muito comum. Com isso, a Lei definiu o aumento de 75% na gratificação recebida pelos profissionais, tanto professores quanto coordenadores, vice-diretores e diretores, submetidos ao ensino integral, que tem duração de oito horas diárias para o ensino fundamental e nove horas nos anos do ensino médio.
“É o sonho de todo profissional da educação. Ter mais tempo para planejamento das aulas, mais contato com os alunos”, diz Silvia Vasconcelos Monge, professora coordenadora há 13 anos na Escola Estadual Vicente Felício, em Birigui, interior de São Paulo. No entanto, como a adesão ao PEI é feita através de um convite e depende não só das condições, mas também da vontade da unidade de ensino, um índice alto de escolas recusa ser parte do programa.
Diretrizes do Novo Modelo
Além da exigência de dedicação plena, as escolas do Programa devem aplicar o currículo integrado, o que consiste em intercalar as disciplinas da base nacional comum com as eletivas, tornando-as complementares umas às outras. Essas matérias extraordinárias são criadas pelos professores da escola, em conjunto com os alunos. A coordenadora Silvia Monge conta que, na Vicente Felício, a parte diversificada tem a disciplina “Você tem fome de quê?”, na qual é trabalhada a alimentação correta, e outra chamada “Cantinho das Profissões”, por exemplo. Os professores e temas das eletivas são trocados semestralmente.
Há pré-requisitos também para as escolas, que não podem ter ligação com a rede municipal, tampouco com o Centro Paula de Souza. A demanda por matrículas também é fator de peso, já que algumas unidades precisam remanejar alunos de outras séries para possibilitar a adesão ao PEI. É o caso da Vicente Felício. Silvia relata que, até 2014, quando ainda não havia entrado no Programa, a escola oferecia ensino médio. Segundo a coordenadora, “os pais aceitaram com facilidade”.
A aprovação dos pais é essencial, já que outra diretriz fundamental do Novo Modelo é a adesão consciente e democrática, posta em prática através do Conselho de Escola. Funciona assim: a Secretaria Estadual de Educação envia o convite por meio das Diretorias Regionais de Ensino, cujos dirigentes elaboram um edital. Nas escolas, há reuniões de esclarecimento com alunos, pais, funcionários, professores, coordenadores, vice-diretores e diretores. Se o Conselho Escolar entra em consenso para aderir ao PEI, um ofício é enviado à respectiva Diretoria de Ensino, que retorna com um parecer. Dá-se início, então, a um processo de inscrições dos profissionais de educação na Secretaria, que os avalia e entrevista.
Quanto à infraestrutura da escola, há exigências de sala de leitura, laboratórios e espaço de experimentação. A Secretaria geralmente tem o tempo de meio ano para realizar as reformas necessárias nas escolas aderentes. Um refeitório também é necessário, já que os alunos passam a ter três refeições diárias, segundo a lei determinou.
No âmbito pedagógico, a diretriz que chama atenção é a defesa do “protagonismo do jovem e do adolescente”, através do estímulo à autonomia, solidariedade e competência. As escolas trabalham o Projeto de Vida de cada aluno, que escolhem seus objetivos profissionais e pessoais no início de cada ano e recebem auxílio para alcançá-los.
Silvia Monge conta que muitos alunos desejam ser jogadores de futebol ou trabalhar com engenharia. A coordenadora também deu o exemplo de um estudante que almeja ser bombeiro e, para ajudá-lo, a escola Vicente Felício fez “uma parceria com a Companhia e levou o aluno para conhecer como é o dia de um bombeiro”.
Tanto Silvia Monge quanto a coordenadora do Programa de Ensino Integral, Maria Silvia Bortolozzo, relatam que houve diminuição da evasão escolar em unidades que aderiram ao PEI, além de aumento na demanda por matrículas. A Vicente Felício tem o total de 256 alunos em nove salas de aula, o que, segundo Monge, representa pouca disponibilidade de vagas.
Nem tudo são flores
Uma notícia publicada no portal Último Segundo, em 19 de setembro de 2012, informa que um índice de 56% das escolas convidadas pela Secretaria Estadual de Educação rejeita aderir ao PEI. Maria Silvia explica que casos assim precisam ser justificados ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). Muitas das causas para o declínio aos convites envolvem a indisponibilidade de tempo de alunos matriculados no ensino médio, já que uma grande parcela deles entra no mercado de trabalho.
A aluna Caroline Rodrigues de Oliveira tem 13 anos e está no oitavo ano na escola estadual Carlos Rosa, também em Birigui. Apesar de a Carlos Rosa ser ETI, Caroline conta que, mesmo gostando do ensino integral, não tem intenção de estudar em uma PEI quando for para o ensino médio. “Até lá acho que vou estar trabalhando e pretendo começar a fazer cursos”, diz a estudante.
Outra explicação recorrente é a insegurança dos docentes. As avaliações do Programa de Ensino Integral são em maior número e intensidade. A formação permanente de professores envolve a Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), a Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo por Área (HTPCA), a autoformação e o Plano Individual de Aprimoramento e Formação (PIAF), além da Avaliação 360º, na qual todos os profissionais se avaliam entre si. Por consequência, os riscos de dispensa são maiores. Silvia Monge defende que “é preciso ter perfil para trabalhar no PEI. Não basta só conhecimento acadêmico. É preciso ser Protagonista Sênior. Praticar Pedagogia da Presença. Ter como foco principal o aluno e sua autonomia”.
Motivos como “dificuldade de transportes dos alunos” e “grande número de estudantes reside na zona rural” também foram citados por Maria Silvia nas justificativas para o TCE. Ainda assim, a coordenadora do PEI fala com orgulho sobre como não há casos de escolas que quiseram sair do Programa, além de unidades que, em anos seguintes, escolheram aderir após verem o sucesso do ensino integral em outras. Ela conta de uma escola na periferia de Santo André que é “caso de sucesso” e “tem fila de espera”.
Maria Silvia também falou sobre a Feira de Ciências das Escolas Estaduais, cujos vencedores foram alunos de escolas do PEI. O estudante de 13 anos, Leandro Leomar Borges Rastelli, da escola estadual Afonso Cáfaro, em Fernandópolis, conquistou o primeiro lugar por desenvolver um inseticida natural para combater o mosquito Aedes aegypti.
Um estudo realizado pela Fundação Itaú Social e pelo Banco Mundial em outubro de 2015 não mostrou resultados positivos causados pela jornada estendida, em âmbito nacional, envolvendo análise do programa Mais Educação do governo federal. No entanto, os projetos que implementam o ensino integral são tão novos que o debate acerca do assunto é praticamente inexistente em termos de situações concretas.
Para Silvia Monge, os principais benefícios vistos na Vicente Felício após a adesão ao Programa de Ensino Integral envolvem “alunos participativos, assíduos e protagonistas, além de profissionais comprometidos e que não fazem rodízio”.